quarta-feira, 6 de março de 2013

ACOMPANHAMENTO TERAPEUTICO: DESCOBRINDO NA FORMAÇÃO UMA MODALIDADE DE CLÍNICA DENTRE VÁRIAS






Apresentação Oral em GT
Autor(es): Ananda Kenney da Cunha Nascimento
Acompanhamento Terapêutico: descobrindo na formação uma modalidade de clínica dentre várias
Therapeutic Accompaniment: discovering in the formation a way of clinical between various

Ananda Kenney da Cunha Nascimento
(Psicóloga. Mestranda em Psicologia Clínica pela
UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco)

RESUMO

O Acompanhamento Terapêutico pode ser compreendido como uma prática clínica que envolve afeto e que afeta. Diante desta afirmação, o trabalho em questão se debruça em estudar uma possibilidade de compreender esta prática enquanto uma modalidade de ação clínica que viabiliza a autonomia das pessoas em sofrimento psíquico e/ou físico, visando realizar um breve histórico da clínica do Acompanhamento Terapêutico e descrever as especificidades da atividade desenvolvida pelos Acompanhantes Terapêuticos. Enquanto método, realizou-se estudos literários acerca da temática em questão bem como os conhecimentos debatidos e refletidos na formação em Acompanhamento Terapêutico que a autora está cursando, fundamentando-se na hermenêutica filosófica de Gadamer, porque esta possibilita a compreensão de não haver só a interpretação dos textos, mas o entendimento destes, pois o diálogo entre a autora, enquanto leitora, e os textos abriu para novas possibilidades de compreensão acerca desta temática. Estudos revelam que o assunto em tela contribui com a proposta de desospitalização, indo de encontro com as práticas que tinham como principais características a exclusão, a cronificação e a violência. Sendo assim, o profissional Acompanhante Terapêutico atua, desde a década de 1960, predominantemente, nos momentos de crise dos pacientes, evitando internações, pois, por ter seu “setting ambulante”, não afasta o acompanhado do convívio social, de sua família, de sua casa e das atividades de lazer. É importante referir que, atualmente, existem novas formas de se conceber o agir do Acompanhante Terapêutico, pois ele tem ampliado seu contexto de atuação, buscando engajar-se nas diversas redes sociais, atendendo a uma vasta clientela, ampliando seu território, conquistando-o por meio de sua ação eminentemente clínica, tendo como público pessoas, de crianças a idosos, em sofrimento psíquico e/ou físico. Esta ação clínica possibilita a estas pessoas sentirem-se não só pertencentes, mas também atuantes na vida cotidiana e social, participando com mais autonomia na comunidade. Deste modo, este profissional assume a função de agente de saúde na vida cotidiana, atuando com uma postura ativa, caminhando às vezes na frente, outras ao lado e outras tantas, atrás do acompanhado. Sendo por vezes coadjuvante, outras vezes figurante e, quando necessário, protagonista, isto por ter como instrumento primordial a ação nos espaços onde ocorrem as diversas cenas que compõem as tramas da vida cotidiana.

Palavras-chave: acompanhamento terapêutico; ação clínica; redes sociais.

ABSTRACT

Therapeutic Accompaniment can be understood as a clinical practice that involves affection and affecting. Given this statement, the work in question focuses to study a possibility to understand this practice as a modality of clinical action that enables the autonomy of people in suffering psychological and/or physical, aiming to realize a brief history of the clinic of the Therapeutic Accompaniment and to describe the specifics of the activity developed by Therapeutic Accompanists. While methodology, it was held literary studies about the theme in question and the knowledge discussed and reflected on formation in Therapeutic Accompaniment that the author is attending, based on Gadamer’s philosophical hermeneutic, because this allows the understanding of there is not only the interpretation of texts, but understanding them, because the dialogue between the author, as reader, and texts opened to new possibilities of understanding about this subject. Studies show that the Therapeutic Accompaniment contributes with the proposal of deinstitutionalization, being contrary with the practices which had as main characteristics the exclusion, the chronicity and violence. So, the professional Therapeutic Accompanist has been working since the 60's, mostly in times of crisis patients, avoiding hospitalization, because by having his "walking setting" does not remove the accompanied of the social life, his family, home and leisure activities. It is important to note that there are now new ways of conceiving the act of Therapeutic Accompanist, as it has expanded its context of performance, seeking to engage in various social networks, serving an extensive clientele, expanding its territory, conquering it through its action clinical parameters, with the public people, from children to elderly, suffering psychological and/or physical. This clinical action allows the these people feel not only owned but also active in social and everyday life, participating with more autonomy in the community. Thus, this professional assumes the role of health agent in everyday life, working with an active posture, walking sometimes in front, the other side and many others behind the company. As sometimes supporting, sometimes an extra and, when necessary, the protagonist, that have the primary instrument the action in areas where there are various scenes that make up the threads of everyday life.

Keywords: therapeutic accompaniment; clinical action; social networks.

1 O despertar para um novo modo de prática clínica

O presente trabalho objetiva estudar uma possibilidade de compreender o Acompanhamento Terapêutico (AT) enquanto uma modalidade de ação clínica que viabiliza a autonomia das pessoas em sofrimento psíquico e/ou físico, a partir de um estudo sistemático de textos que buscam realizar um histórico da clínica do AT, incluindo as mudanças em sua nomenclatura, para melhor compreender o que vem a ser esta prática clínica e descrever a atividade que vem sendo desenvolvida pelo profissional Acompanhante terapêutico (At), incluindo perfil, clientela e especificidades desta prática clínica que ainda é desconhecida para alguns e mal compreendida para outros.
A escolha desta temática para estudo se deu por uma integração entre minhas necessidades pessoal e profissional, que teve uma trajetória iniciada no ano de 2009, quando ainda era estudante do curso de graduação em Psicologia.
Nesse ano, eu estava tendo uma rica experiência, como estagiária de uma equipe de psicologia na área de saúde mental em um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), com pessoas em sofrimento psíquico, mas algumas limitações no tratamento de alguns usuários do serviço me incomodavam e eu sentia falta de “algo” ou, mais especificamente, alguém que pudesse ir além dos muros da instituição em momentos de crise de alguns usuários e até mesmo que pudesse realizar algumas atividades mais específicas com algumas pessoas que, perceptivelmente, já estavam no momento de se desligar do vínculo institucional.
Tomada por estas questões e em busca de novos modos de ação clínica que pudessem dar suporte a minha prática, participei do 1º Encontro Pernambucano sobre Acompanhamento Terapêutico que ocorreu em Recife nesse mesmo ano, para o qual fui levada pela curiosidade e pelas palavras-chave de um cartaz, entre elas estavam: clínica, inclusão psicossocial, cotidiano, alternativa de tratamentos, sem muros, acompanhamento terapêutico, interdisciplinaridade, atenção psicossocial.
Nesse encontro conheci um pouco da prática clínica de alguns Acompanhantes terapêuticos (Ats), o que possibilitou-me uma (re) construção da minha visão sobre a prática clínica com pessoas em sofrimento psíquico. Assim como a mim, foi possibilitado a todos (as) que estavam presentes refletir sob uma nova perspectiva: a do AT.
Deste modo, no ano seguinte, em 2010, iniciei o curso de formação em AT, o qual tem duração de 2 (dois) anos e meio, sob a coordenação do At e Psicólogo Marcos Cahú, único a realizar esta atividade em Recife-PE, fazendo parte da 9ª (nona) turma que se propôs a ingressar neste processo de aprendizagem, troca de experiências, olhares e aprofundamento das especificidades desta clínica que envolve afeto e que afeta.
Trago esta experiência, por compartilhar com Dametto (1972) quando afirma que é um privilégio ter uma formação de qualidade sob a orientação de um supervisor que antes de qualquer conhecimento teórico passou pela experiência de ser At, o que favorece significativamente aos estudos em grupo e à supervisão.
Contudo, quanto mais conheço esta modalidade de ação clínica, mais sinto-me responsável por compartilhá-la com as pessoas mais próximas, com o meio acadêmico e científico, de um modo geral. Sendo assim, neste estudo discorreremos a respeito do AT, buscando situá-lo historicamente desde seu surgimento e descrever as especificidades desta atividade, buscando articular com os conhecimentos debatidos e refletidos na minha formação em Acompanhamento Terapêutico.

2 Uma trajetória compreensiva

Enquanto método, este estudo segue o tipo de pesquisa bibliográfica, a qual está fundamentada na hermenêutica filosófica de Gadamer.
Para tanto, realizou-se um estudo sistemático acerca da temática em questão, desenvolvido a partir de textos literários, cujo material elaborado está acessível ao público em geral, constituído principalmente de livros e artigos científicos. E por esgotar-se em si mesma, esta pesquisa tem o intuito de fornecer instrumental analítico para qualquer outro tipo de pesquisa (GIL, 1991; VERGARA, 2003).
Este estudo também vislumbra uma articulação entre tais textos com os conhecimentos debatidos e refletidos na formação em AT que a autora está cursando, o que possibilitou não só a interpretação dos textos, mas o entendimento destes, pois o diálogo entre a autora, enquanto leitora, e os textos possibilitou uma abertura para novos modos de compreensão acerca desta temática, assim como nos indica Gadamer (1997).
Partindo deste ponto de vista, “O texto escrito não muda, mas as possibilidades sim, isto é, para Gadamer, as verdadeiras possibilidades mudam, pois são infinitas.”. (LAWN, 2007, p. 87). Deste modo, o encontro linguístico que acontece na forma de diálogo entre o leitor e um texto, faz com que os horizontes deles se fundam e o leitor possa pôr em cheque suas pré-compreensões, seus pré-conceitos, seus pré-julgamentos e se disponha à acomodação do novo. Sendo assim, não importará quantas vezes um texto seja lido, pois ele sempre conseguirá abrir novas linhas de questionamentos e possibilidades compreensivas, já que

Quando alguém lê um texto, fica subentendido, não simplesmente fazendo sentido das palavras na página, mas permitindo que o horizonte do texto se misture com o horizonte do leitor de tal forma que o leitor seja afetado pelo encontro com o texto. É uma experiência muito comum ser interrompido pelo efeito que o texto pode ter no leitor; muitas vezes aquilo que consideramos como absolutamente certo pode ser redefinido, mudado e reorganizado pelo ato de leitura. (LAWN, 2007, p. 95).

Entendemos aqui por horizonte, a perspectiva sobre o mundo adquirida através da linguagem, de geração em geração, constituindo assim, nossa tradição, assim como nos diz Lawn (2007).
Contudo, este estudo segue sua trajetória compreensiva acerca do AT, compreendendo-o como uma modalidade de clínica dentre várias, a qual será apresentada em sequência, com suas especificidades que a diferencia das demais práticas clínicas.

3 Acompanhamento terapêutico: uma modalidade de clínica dentre várias

Em um cenário mundial, no qual o modelo psiquiátrico clássico hospitalocêntrico imperava, tendo como principais características: exclusão, cronificação e violência; profissionais de saúde questionavam tais práticas abusivas e, então, entraram em vigor discussões de caráter político-ideológico que falavam sobre Reforma Psiquiátrica, a qual veio questionar a noção de saúde/doença mental e constituiu-se como um movimento cuja principal tentativa foi a supressão dos manicômios na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, expandindo-se posteriormente para outros países, entre eles o Brasil. (AMARANTE, 2007).
Mas, para que isto fosse possível ser concretizado, serviços substitutivos em saúde mental precisaram ser criados, assim como os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), os NAPS (Núcleos de Atenção Psicossociais), entre outros serviços clínicos, para dar assistência total a estas pessoas em sofrimento psíquico que se encontravam aprisionadas nos manicômios.
Neste contexto, o AT surge na Argentina, na década de 1960, tendo vida através do Dr. Eduardo Kalina, psiquiatra argentino que teve o intuito de dar uma

(...) cobertura total à vida de nossos pacientes, em especial aos drogados. Criei uma equipe de “acompanhantes terapêuticos” e de professores especializados que colaboraram e colaboram conosco, estendendo nossa ação terapêutica durante o dia e a noite; todos os dias da semana e ao longo de todos os dias do ano, dentro e fora do âmbito da internação. (KALINA, 1988, p. 24).

Isto porque,

Não tínhamos nenhuma clínica preparada, mas, eu comecei a desenvolver uma equipe de abordagem múltipla, tomando um modelo que fui criando a partir das teorias psicanalíticas de Bleger e de outros modelos combinados. Foi aí que também criei o Acompanhamento Terapêutico, como uma modalidade de tentar juntar estes jovens a voltar a recuperar um diálogo e uma capacidade de viver de maneira mais normal. (PROENÇA; LAPASTINI, 1999, p. 61).

Deste modo, o At como profissão “surgiu enquanto empírica, sem mais (nem menos) respaldo que o pedido desesperado de uma prática clínica que era insuficiente.”. (MAUER; RESNIZKY, 2008, p. 45). O que confirma que o AT foi se constituindo “um modelo de trabalho cujos fundamentos surgiam da prática à teoria.”. (p. 109).
Entretanto, em um primeiro momento, Kalina (1988) chama este profissional de “amigo qualificado”, nomenclatura que foi questionada pelo seu caráter amistoso, o que possibilitou reflexões, tais como: mesmo podendo estabelecer fortes laços afetivos com o paciente, o At não é um amigo. Então, com o intuito de se atingir o caráter terapêutico e profissional desejado, logo esta terminologia foi modificada para “acompanhante terapêutico”, por este profissional fazer parte de uma equipe terapêutica, por realizar uma tarefa assistencial e por ser remunerado pelo seu trabalho.
Com o fracasso das abordagens terapêuticas clássicas com relação a certos pacientes, este profissional foi se tornando necessário em diversos outros países do mundo, entre eles o Brasil, onde chegou também na década de 1960. Sendo esta modalidade clínica trazida pelo Dr. Marcelo Blaya, psiquiatra que teve sua formação nos Estados Unidos, praticou e ensinou a residentes na Clínica Pinel, em Porto Alegre, chamando a este profissional de “atendente psiquiátrico”. Posteriormente, esta prática clínica chegou ao Rio de Janeiro, conduzida pela Dra. Carmem Dametto – psiquiatra brasileira e aprendiz do Dr. Marcelo Blaya –, aplicando-a na Clínica Villa Pinheiros, chamando a este profissional de “auxiliar psiquiátrico”. Entretanto, somente no final da década de 1970, esta prática clínica chega a São Paulo, no Instituto A CASA, sofrendo influência direta de psicanalistas argentinos, sendo este profissional chamado de “amigo qualificado”. (BARRETTO, 1988; DAMETTO, 1987; PICCININI, 2001; SIMÕES, 2005).
De acordo com Simões (2005), a literatura nos mostra que não há diferença entre os objetivos e as funções dos “atendentes psiquiátricos” e dos “auxiliares psiquiátricos”, tendo apenas o segundo um caráter mais psicanalítico, pois ambos tinham por função cuidar e ficar com o paciente dentro dos hospitais, relacionando-se com ele de modo informal e, principalmente, acompanhá-lo em atividades cotidianas externas aos muros da instituição, o que delimitava o campo de atuação destes profissionais diferindo-os dos demais.
Todavia, estes profissionais diferem-se quanto ao seu perfil, sendo os atendentes normalmente pessoas leigas e estudantes da área de saúde mental, pois o que mais importava na seleção destes eram características de personalidade favoráveis ao exercício desta função. Já os auxiliares eram, em sua maioria, estudantes de psicologia e psiquiatria que tinham interesse pela área clínica e, portanto, já tinham uma compreensão sobre doença mental. (SIMÕES, 2005).
Contudo, na década de 1980, no Brasil todas estas nomenclaturas sofreram modificação, igualando-se a da Argentina, porque, de acordo com Simões (2005), o AT foi se expandindo e ampliando sua clientela, a qual anteriormente estava voltada para psicóticos adultos e, a partir da década de 1980, passou a abranger de crianças a idosos em outras condições de saúde incapacitantes, o que inclui: toxicomania, pessoas com comprometimento orgânico, deficiências físicas e mentais, pacientes pré e/ou pós-cirúrgicos, além das pessoas em sofrimento psíquico.
Com essa amplitude, poucos profissionais passaram a ter vínculos com instituições, além do mais “as funções tanto do amigo qualificado como do acompanhante terapêutico são de acompanhar os pacientes em momentos mais pontuais, podendo ser até em atividades internas de uma clínica, porém há uma predominância nas atividades em lugares externos.”. (SIMÕES, 2005, p. 76-77).
Com o intuito de compreendermos melhor a especificidade desta clínica, sugiro que recorramos à etimologia da palavra “acompanhar” que, de acordo com o dicionário eletrônico Houaiss (2007), vem do latim accompaniáre – conjunto de pessoas que comem seu pão conjuntamente – que diz de um estar ou ficar com ou junto a (alguém), constantemente ou durante certo tempo; fazer companhia a; conviver ou compartilhar as mesmas situações com, ou ser companheiro de; deslocar-se junto com, ou seguir na mesma direção (de algo ou alguém); ir ou viajar com, na companhia de; ir atrás de, seguir; realizar a mesma ação ou atividade que (outrem); ter o mesmo comportamento ou agir da mesma maneira que; agir conjuntamente ou em colaboração com; fazer ou formar um par ou um conjunto com outra(s) coisa(s), fenômenos(s) etc.; ajuntar, acrescentar; observar, manter a atenção ou interesse voltado para (algo, ou alguém, que está em movimento, em desenvolvimento, mudança, ação ou atividade) durante um período de tempo e, eventualmente, participando do processo ou interferindo nele; presenciar, assistir a (algo que é exposto ou apresentado, ou uma sucessão de eventos, episódios, o desenrolar de um fato, história, drama etc.).
Sendo assim, a partir de um verbo transitivo direto, ou seja, uma palavra que exprime uma ação, a qual exige um parceiro e um complemento, e, que demonstra movimento em direção a, deslocamento, percebemos a especificidade, a profundidade e a proposta desta prática clínica que, desde o princípio, veio buscando nomear e nortear do modo mais adequado o seu fazer.
Portanto, o profissional At visa, em especial, intervir junto ao outro, clinicamente, em organizações humanas, comunidades, instituições e/ou a céu aberto, tratando-se de um modo de estar junto ao outro, apresentando-se com uma possibilidade de ação que transcende o próprio campo da prática.
Porém, estudos dizem que para tornar-se um profissional At, ainda não existe um consenso quanto aos requisitos mínimos para tal exercício profissional, mas de acordo com Carvalho (2004), o perfil deste profissional, no Brasil, atualmente, se encontra principalmente entre tais características: a maioria é psicólogo (a) ou estudantes de psicologia ou ainda terapeutas ocupacionais; a maioria tem seu trabalho vinculado à linha teórica da Psicanálise, em específico, Winnicott e Lacan; no que diz respeito à formação específica em AT é considerável o número de profissionais que não fizeram nenhuma formação; e, uma maioria bastante significativa define o AT como uma atividade secundária em sua escala de prioridade da atividade profissional.
Sobre este perfil, a autora supracitada faz alguns alertas para que as novas gerações não se influenciem a se emoldurar no mesmo “quadro”. Quanto ao predomínio da atuação pelos psicólogos, diz que existem muitos profissionais reconhecidamente qualificados que não tem esta formação.
Sobre a hegemonia da teoria psicanalítica como fundamentação para o trabalho do AT, afirma que “é desejável que ao se consolidar enquanto modalidade de tratamento o AT confirme sua natureza interdisciplinar e possa receber importantes contribuições de diferentes abordagens psicológicas.” (CARVALHO, 2004, p. 81).
Quanto à terceira característica apontada no perfil encontrado por Carvalho (2004), referente à formação, a mesma diz que esta vai desde cursos, grupos de estudos até experiência de trabalho e/ou supervisão em determinada instituição, sendo esta essencial para poder garantir a qualidade do tratamento ofertado aos acompanhados.
Vale ressaltar que, para Mauer e Resnizky (1987), há uma contradição entre os fracos requisitos para a seleção de Ats e a especificidade do trabalho, sendo necessário realizar exaustivamente entrevistas de admissão para avaliar se os candidatos a Ats estão ou não em condições de exercer tal atividade. Passado esta etapa, é preciso que o At tenha supervisão, faça análise pessoal (ou psicoterapia, dependendo da linha teórica que o At esteja se embasando) e participe de reuniões de equipe, as quais vislumbram planejar estratégias de tratamento aos acompanhados.
Neste caso, a supervisão é tida como uma oportunidade de formação continuada, sendo um tipo de processo de aprendizagem fundamentada por um estudo teórico, além desta estar sob a coordenação de um supervisor – At com mais experiência. Entretanto, Carvalho (2004) nos diz que

Falar em formação requer sempre um cuidado especial. Por um lado, temos a difícil tarefa de discernir o que seria essencial para forjar o profissional de qualidade e, por outro, a plena consciência de que tudo que se possa oferecer será não mais do que a ponta do iceberg de um processo que deverá ser contínuo na vida do futuro profissional, sendo apenas mais intenso de início. (p. 83).

Por último, relacionado ao fator secundário na escala de prioridade da atividade profissional enquanto At, Carvalho (2004) levanta algumas hipóteses, são elas: o pouco número de horas trabalhadas por semana e o alto grau de desgaste emocional e às vezes físico, causados pelo envolvimento pessoal requerido dos Ats em sua atividade.
Simões (2005) ainda acrescenta um dado importante, afirmando que a maioria das publicações sobre AT é de profissionais da região Sudeste, principalmente São Paulo. Entretanto, a autora ainda observa que, diante de toda a produção científica sobre AT, a maioria dos autores descrevem vivências desta prática clínica, mas, muitas vezes, falta uma fundamentação teórica sobre ela, além do mais, cada autor descreve um modo diferente de como trabalhar com o acompanhado, fundamentando-se em distintas visões de homem e de mundo, dificultando a compreensão do que vem a ser o AT, uma vez que não há um sistema teórico específico que fundamente tal atividade.
Porém, a autora supracitada diz que alguns autores propõem estudar o AT a partir de conceitos psicanalíticos e outros consideram que este é um campo que precisa ser fundamentado por diversos campos de saberes, não podendo ser sustentado por um único.
Podemos salientar que na literatura, além do perfil dos profissionais e das divergências a respeito da fundamentação teórica do AT, são apresentadas três características tidas como principais e que melhor esclarecem as especificidades desta prática clínica, havendo um consenso entre os teóricos, são elas: setting ampliado, diálogo com a família e trabalho em equipe. (SIMÕES, 2005).
Quanto ao “setting ampliado”, ou “setting ambulante”, como muitos autores costumam chamar, este se configura, de acordo com Simões (2005), a principal característica do AT, pois o acompanhamento por se dá no cotidiano, pode ocorrer em diversos locais, tais como parques, shoppings, supermercados, enfim, locais públicos, mas também pode se dá na casa do acompanhado.
Deste modo, podemos dizer que o acompanhamento se dá nas diversas redes sociais de uma cidade. Quando nos referimos aqui a redes sociais,

Estamos falando do princípio da intersetorialidade, isto é, de estratégias que perpassem por vários setores sociais, tanto no campo da saúde mental e saúde em geral, quanto das políticas públicas e da sociedade como um todo. Em outras palavras, os serviços de atenção psicossocial devem sair da rede do serviço e buscar na sociedade vínculos que complementem e ampliem os recursos existentes. Devem articular-se com todos os recursos existentes no campo da saúde mental, isto é, com a Rede de Atenção à Saúde Mental (outros serviços de atenção psicossocial, cooperativas, residências de egressos ou outras pessoas em situação de precariedade social, ambulatórios, hospitais-dia, unidades psiquiátricas em hospitais gerais), e no campo da saúde em geral (Estratégia Saúde da Família, centros de saúde, rede básica, ambulatórios, hospitais gerais e especializados etc.) ou no âmbito das políticas públicas em geral (ministério público, previdência social, delegacias, instituições para crianças, idosos, desassistidos em geral, igrejas, políticas educacionais, de esporte, lazer, cultura e arte, turismo, transporte, ação e bem-estar social etc.), e, finalmente, no âmbito dos recursos criados pela sociedade civil para organizar-se, defender-se, solidarizar-se. As políticas de saúde mental e atenção psicossocial devem organizar-se em ‘rede’, isto é, formando uma série de pontos de encontro, de trajetórias de cooperação, de simultaneidade de iniciativas e atores sociais envolvidos. (AMARANTE, 2007, p. 86).

Neste contexto, o profissional At se relaciona com várias pessoas, direta ou indiretamente, que estão em diferentes níveis da rede social do acompanhado, indo desde os próprios familiares a amigos e profissionais envolvidos no tratamento. (CARVALHO, 2004).
Sendo assim, o At assume a função de agente de saúde na vida cotidiana, atuando com uma postura ativa, sendo por vezes coadjuvante, outras vezes figurante e, quando necessário, protagonista, isto por ter como instrumento primordial a ação nos espaços onde ocorrem as diversas cenas que compõem as tramas da vida cotidiana. Não permitindo o afastamento do acompanhado do convívio social, de sua família, de sua casa e das atividades de lazer.
Compreendemos que o setting no AT não está relacionado ao espaço físico, mas ele está presente onde quer que acompanhante e acompanhado se encontrem, pois ele se ampara no vínculo estabelecido entre ambos. Mesmo havendo um acordo prévio do horário, honorário, local dos acompanhamentos e duração das sessões (geralmente duas horas por encontro), estes podem ser variados de acordo como a demanda que se configure. (CARVALHO, 2004).
O “diálogo com a família” se constitui como sendo outra característica importante para a atividade do At, pois este em muitas ocasiões compartilha de momentos íntimos do convívio familiar do acompanhado.

É comum o acompanhante terapêutico presenciar ou tomar parte das refeições em família, testemunhar discussões, circular pelos ambientes mais reservados da casa, sendo em situações extremas até mesmo convocado a tomar partido em disputas familiares. (CARVALHO, 2004, p. 24).

Mauer e Resnizky (2008), nos lembra que o acompanhante também pode, através de sua intervenção na trama familiar, contribuir para descomprimir e abrandar certas interferências do acompanhado com sua família.
Isto porque, esta segunda característica está totalmente imbricada com a terceira que é o “trabalho em equipe”, pois o At para exercer sua função necessita estar no seio de uma equipe, podendo ser muitas vezes convocado por algum profissional para fazer par com ele no processo de tratamento de pessoas em sofrimento psíquico e/ou físico e seu grupo familiar.
Podemos pensar numa composição de uma equipe formada

(...) basicamente por um psicoterapeuta que se encarrega da abordagem familiar; um administrador psiquiátrico, que coordena a prática médica se for necessário; um psicoterapeuta individual; um ou mais acompanhantes terapêuticos de acordo aos requerimentos do paciente. Posteriormente, quando o paciente já estiver em condições de começar a responder às propostas terapêuticas que lhe sejam formuladas, poderão incluir-se professores especializados para incitar ou orientar suas inquietudes. (MAUER e RESNIZKY, 2008, p. 28).

Mas para que este tratamento obtenha sucesso em meio a heterogeneidade existente entre os membros de uma equipe, é preciso que haja cooperação e que as áreas de trabalho de cada membro estejam claramente diferenciadas. Deste modo, “A equipe se transformará em uma rede terapêutica e é por isso que a relação entre seus membros adquirirá enorme significação no decorrer do processo terapêutico.”. (MAUER e RESNIZKY, 2008, p. 27).
As autoras ainda nos lembram que, o segredo profissional existente entre acompanhante e acompanhado, tradicionalmente sustentado pela ética do sigilo, neste contexto, passa a ser parcialmente compartilhado entre os membros da equipe, visando à circulação fluente das informações com o intuito de neutralizar possíveis tentativas de manipulação e pactos perversos. Porém, é imprescindível que esta comunicação intra-equipe seja conhecida pelo acompanhado e sua família, para que a partir do uso de uma comunicação clara, torne-se possível operar em prol do processo terapêutico deste grupo adoecido.
Além de todos estes elementos, destaco um elemento facilitador fundamental para o poder-acontecer do acompanhamento que diz respeito ao aspecto relacional desta prática clínica: a disponibilidade para estar com o outro. Este aspecto é dito de vários outros modos por Ats quando se pergunta pelas habilidades necessárias para ser At, assim como nos apresenta Carvalho (2004).
Porém, proponho refletirmos sobre a compreensão do aCOMpanhar como uma ação de estar com o outro, a qual trata-se de uma prática que é inerente a todo ser humano que habita em um mundo relacional, assim como nos fala Heidegger (2009, p. 193) quando nos diz que a “Relação com..., o estar em relação com... caracteriza a essência do ser humano. (...) o relacionar-se do homem com o homem como algo verificado no homem (...), antes de mais nada, determina o homem como homem.”.
Entretanto, percebemos que habitamos um mundo que vive na decadência de alguns aspectos próprios da condição humana, portanto, algumas pessoas ao longo da história da humanidade, necessitam de profissionais que pratiquem ações desta ordem, assim como acompanhar, para que suas experiências possam ter sentido e, deste modo, seja possível que, através das intervenções de profissionais como o At, o acompanhado possa apropriar-se da sua condição de existência e ter uma melhora em sua qualidade de vida.

4 Discussões

Este estudo tratou-se de um recurso de apresentação e problematização dos novos rumos que a prática clínica dos Ats vem tomando, a qual vem se expandindo, conquistando seu espaço, ampliando sua clientela, por causa das especificidades desta atividade que vem beneficiando muitas pessoas que vislumbram autonomia e, consequentemente, reinserção social. Isto porque, o AT também é uma forma de denúncia, que é feita desde seu surgimento, às práticas políticas e sociais de exclusão e violência.
Todavia, no campo teórico desta prática clínica ainda existem muitas divergências, deixando em aberto questionamentos importantes para um melhor contorno desta prática clínica, tais como: quais são os requisitos mínimos para exercer a profissão de At? Qual a fundamentação teórica do AT?
Assim, para melhor compreender esta prática clínica, recorremos à história desta clínica e percebemos que ela ainda se apresenta em construção e também à etimologia da palavra acompanhar, o que nos possibilitou reflexões acerca das relações humanas e de suas possíveis afetações, discutida por diversos autores, o que acontece quando estamos disponíveis para o encontro com o outro que necessita de cuidados e que precisa aprender a cuidar de si, ressignificando o próprio ato de cuidar.
Mas vale ressaltar que isto vai além de estudos teóricos, possibilitados pela formação em AT, porque este entendimento perpassa pela vivência, pela experiência em ação que ultrapassa diversos “muros”, pois quando estamos disponíveis, abertos para o encontro com o outro, esta ação já diz de um estar ou ficar com ou junto a (alguém), constantemente ou durante certo tempo, fazendo companhia, convivendo e compartilhando as mesmas situações, deslocando-nos junto com este outro, seguindo na mesma direção, indo ou viajando com, na companhia de; indo atrás de, seguindo, realizando a mesma ação ou atividade que (outrem); agindo conjuntamente ou em colaboração com; fazendo ou formando um par ou um conjunto com; observando, mantendo a atenção ou interesse voltado para (algo, ou alguém, que está em movimento, em desenvolvimento, mudança, ação ou atividade) durante um período de tempo e, eventualmente, participando do processo ou interferindo nele; presenciando, assistindo o desenrolar de uma história.
Por fim, este estudo abre para diversas possibilidades compreensivas acerca desta prática clínica que envolve uma ação humana de solidariedade. Deixando sugestões de outras questões que permeiam esta temática, as quais ainda não foram tão desenvolvidas, problematizadas e socializadas com o meio científico, podendo outras pesquisas fazer uso de outro tipo de delineamento metodológico, preenchendo-se assim, as lacunas deixadas acerca deste tema neste trabalho.

Referências

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Fonte: http://www.encontro2011.abrapso.org.br/trabalho/view?ID_TRABALHO=2182

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